quarta-feira, 16 de junho de 2010


A primeira surpresa deste concerto foi ver o pequeno auditório da Culturgest praticamente cheio para assistir a um concerto que não é propriamente um registo “easy-listening”. E esta questão torna-se superlativa pelo interesse que esta música nova desperta, cada vez mais, a um número mais alargado de pessoas.
Convém assinalar que não estamos na presença de nomes muito conhecidos do público tradicional do jazz. Ernesto Rodrigues há muito que vem trilhando um caminho que, embora se cruze aqui ou ali com o jazz, estabelece mais pontes de contacto com as novas correntes reducionistas, ou near-silence, como se lhe quiser chamar. Este tipo de música privilegia o espaço entre sons e não valoriza em demasia a melodia. Sons sónicos e texturas convivem em harmonia com os silêncios num registo em que menos, muitas vezes, é mais.
Já Axel Dörner é um nome conhecido do jazz europeu, pois tem tocado com muitas das luminárias do lado de cá do Atlântico, casos De Alexander Von Schlippenbach, Peter Kowald ou Barry Guy, só para citar alguns, mas é igualmente um mestre da música improvisada, de cariz jazzistico e também deste tipo de músicas mais abstractas e complexas.
Christine Sehnaoui é, de todos os músicos em palco, aquela que apresenta um menor “body of work”. Descobriu a música improvisada em finais do século passado e, só a partir daí começou a desenvolver técnicas de improvisação para saxofone alto, num registo de auto-aprendizagem.
Depois de apresentados os músicos, vamos ver como contribuíram para o que foi apresentado em palco; importa referir antes de mais, que conseguiram ajustar em proveito do conjunto as suas personalidades musicais individuais, tendo criado um espectro sonoro claro, evidentemente muito baseado em explorações tímbricas e de som puro, que privilegiaram texturas mais ou menos angulosas e a utilização total das capacidades dos instrumentos que tocam.
Todos os músicos prepararam, aqui e ali, os seus instrumentos, de forma a extrair deles sons que, tocados duma forma escolástica, nunca seria possível ouvir. Mas estas preparações e estes registos não são “vã pirotecnia”, são antes técnicas que permitem fazer uma utilização extensiva dos instrumentos e que em muito enriquecem o espectro sonoro.
Estes três músicos nunca se tinham encontrado enquanto trio, mas revelaram que conhecem bem a linguagem uns dos outros. Foi frequente entender, ao longo do espectáculo, que se estavam a ouvir muito bem. A verdade é que, num palco largo, optaram por tocar juntos no centro e sem qualquer tipo de amplificação, para que houvesse uma percepção total do som de cada um. Ernesto ao centro, não só porque a viola é o menos histriónico dos instrumentos, mas também porque foi ele que, pontualmente, agregou algumas investidas mais “musicais” dos sopradores, voltando à matriz abstracta e sensorial da sua proposta.
Em suma, assistimos a um concerto de absoluta excepção, que juntou três almas musicais distintas mas que se tornaram visceralmente complementares, quer pela capacidade comunicacional impar, quer pela necessária percepção da semiologia que está subjacente ao entendimento de que esta música significa, acima de tudo, afastamento dos gastos ícones da velha música improvisada.
João Pedro Viegas (jazz.pt)

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