quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Creative Sources Fest XI - Improvisar colectivamente



photo by Cláudio Rêgo

O mês de Novembro trouxe consigo mais uma edição – a 11ª – do festival promovido pela editora Creative Sources, pela primeira vez com cinco dias de duração. A jazz.pt esteve presente em alguns dos concertos e estes colocaram algumas questões que no futuro seria importante colocar em debate (foto acima: String Theory).

Com a mesma longevidade da Clean Feed (o seu primeiro disco data de 2001) e semelhante número de títulos (vai a caminho dos 500), a Creative Sources teve no passado mês de Novembro a 11ª edição do seu festival, este ano com cinco dias de duração, indo dos três aos cinco concertos em cada sessão. Uma das mais importantes editoras do circuito internacional da improvisação reducionista, mas com um catálogo que a esse tipo de abordagem vem juntando registos de outras áreas, indo do jazz criativo à música electroacústica experimental, esta fundada pelo violetista português Ernesto Rodrigues não poderia deixar de promover um cartaz que reflectisse tal diversidade.
No palco do O’culto da Ajuda, em Lisboa, passaram projectos que pouco têm que ver com a estética “near silence” promovida pelo músico, numa mobilização de tendências que envolveu tanto o Red Trio e o novo quarteto de Sei Miguel como figuras do Norte (a Free Jazz Company de Paulo Alexandre Jorge) e do Oeste (o Palimpsest Trio de Paulo Chagas, completado pelos italianos Silvia Corda e Adriano Orrú, ou a dupla constituída por Karoline Leblanc e Paulo Ferreira Lopes, “habitués” do MIA – Encontro de Música Improvisada de Atouguia da Baleia), além de formações colocadas em CD pela Creative, como o Zwann Ei Collective e Abdul Moimême a solo, convidados especiais de outros países, com destaque para Etiénne Brunet, formações nacionais limítrofes, a exemplo dos Psico-Free & Manicômio, e improvisadores com outros percursos na cena nacional, como André Hencleeday, dos Crua, ou Helena Espvall, frequente colaboradora de David Maranha.
Detemo-nos sobre quatro das apresentações realizadas. A que envolveu José Bruno Parrinha em clarinetes soprano e baixo, Manuel Guimarães ao piano e Ulrich Mitzlaff no violoncelo parece ter dado o mote para grande parte do que se ouviu para os lados de Belém, com a sua improvisação camerística, muito contemplativa, em recuperação do fraseado mais convencional e da tonalidade, suave na expressão e optando por um volume que, sendo reduzido, nem por isso alinhou com as premissas da tendência teorizada por Radu Malfatti. Todos eles com intervenções em discos da Creative Sources, que não com o formato deste trio, o que tocaram ganhou a forma de uma viagem, leve nos voos empreendidos, mas de pronunciado efeito introspectivo, convidando o público a fechar os olhos e deixar-se ir.
A violinista Maria do Mar e a vocalista Maria Radich estenderam a colaboração que vêm mantendo há alguns anos a um clarinetista brasileiro radicado em Barcelona que já se tornou um nosso visitante regular, Luiz Rocha. Talvez devido à diferença de configuração musical trazida por este, Radich saiu a espaços do âmbito da glossolália e do “speaking in tongues” que têm já a sua imagem de marca para entrar num canto sustenido e harmónico que deriva das suas práticas na pop e no rock (é membro das bandas Abztraqt Sir Q e Ovo) e que, neste contexto, resultaram em cheio, trazendo novas dimensões à narrativa criada e equilibrando-se da melhor maneira com os argumentativos violino e clarinete baixo. Um dos protagonistas maiores da cena francesa do jazz, com um currículo feito de parcerias com nomes como Fred Van Hove, Jac Berrocal, Anthony Coleman, Jean-François Pauvros e Sunny Murray, o saxofonista Etiénne Brunet teve um par de intervenções em duo, uma com Monsieur Trinité e outra com Miguel Mira. Nesta esteve particularmente próximo do que lhe é habitual, com um discurso jazzístico assumidamente “old school”, algures no cruzamento das linhas de influência de um Jimmy Lyons (no alto) e de um Steve Lacy (no soprano), num discurso acentuadamente melódico. Algo breve foi o concerto com o violoncelista português, este sempre muito eficaz na construção de envolvências e respostas ao trabalho dos saxes. Ficou evidente que Brunet queria continuar, mas Mira deu por finda a actuação poisando o instrumento e levantando-se quando sentiu que estava realizado um “statement” e que qualquer acrescento seria redundante.
O String Theory foi um dos grandes ensembles constantes na programação, entre o Suspensão e a Variable Geometry Orchestra, com a particularidade de integrar apenas cordas – se bem que com um piano incluído, nas mãos de Rodrigo Pinheiro, que surpreendentemente se deteve mais no teclado do que no interior do dito. Com quatro violoncelos (Guilherme Rodrigues, Yu Lin Humm e os já mencionados Mitzlaff e Espvall), quatro contrabaixos (João Madeira, Gianna de Toni, Hernâni Faustino e Marc Ramírez), dois violinos (Maria do Mar, Filipe Murat), a solitária viola de Ernesto Rodrigues, duas guitarras acústicas (no colo a de Miguel Almeida, deitada e sujeita a preparações a de Moimême) e um saltério (Hencleeday), ficou demonstrado como uma improvisação pode ser dirigida dentro da própria música em vez de sobre ela, a partir de fora. Rodrigues introduzia as situações, olhava em volta para verificar se os restantes as tinham empreendido e todos o seguiam.
O interessante foi observar de que modo, com uns a fazerem-no literalmente e outros a contribuírem com materiais complementares ou contrastantes, colocando algumas questões sobre o que é improvisar colectivamente e quais são os limites da igualdade de papéis e da liberdade de movimentos num contexto como este. Seja qual for a qualidade dos resultados, e esta existiu em vários momentos, uma performance musical vale a pena quando nos convida a pensar. Essa tem sido uma função do Creative Sources Fest e bom seria que, numa próxima edição do festival, houvesse espaço para a reflexão e o debate. Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Le CS Fest XI de Lisbonne comme si vous y étiez





Le CS Fest XI a eu lieu à Lisbonne du 21 au 25 novembre dans la salle O’Culto da Ajuda, traduction approximative : le culte de l’aide, l’occulte de la solidarité. Etienne Brunet y était et en était. Compte-rendu. 
La culture miraculeuse de la musique créative sera bientôt à la mode ! Au pays du Fado résonnera l’intervalle Fa dièse-Do bécarre, la fameuse quarte augmentée, « Diabolus in Musica » de l’improvisation exubérante. CS Fest XI est situé à Belem, vers une des sorties de la « ville blanche » le long du « Rio Tejo » au bout d’une impasse quasi introuvable dans un dédale de petites rues derrière le palais présidentiel. Pas de lumière. Pas de flics. La salle de concert polyvalente orientée musique contemporaine est très bien équipée. Tenue à bout de bras par Miguel Azguime. Deux tiers de scène pour un tiers de gradins. Très haut de plafond. Acoustique fantastique. Le festival est organisé par Ernesto Rodrigues et le label : Creative Source. Le public est composé de passionnés d’improvisation, d’aficionados de la creative music et des gens de l’underground lisboète. Les musiciens écoutent réellement leurs collègues. Ils ne font pas semblant, comme en France, pour s’enfuir dès que possible. Aucun touriste à l’horizon.
Pourquoi No Groove ? Parce que j’avais vendu cette proposition d’article avec ce titre. Je le trouvais super et l’ai utilisé comme nom du groupe avec lequel j’ai joué dans des boites de Lisbonne. J’avais renoncé à écrire un article et puis finalement je fais les deux. « Personne n’a voulu croire en moi, même comme menteur… » (Fernando Pessoa). Confusion créative. Je suis juge et partie. Ce n’est pas déontologique, mais logique en période de crise. No Groove est une sorte de courant d’air musical de free music contemporaine affluent du tempétueux free jazz historique. Une conscience du tempo dissoute dans une nappe sonore brutiste. Un Groove de l’absence. Un No du refus de la musique commerciale.

PREMIER SOIR
Je rentre chez moi passé deux heures du matin. La ville blanche est déserte empêtrée dans un profond brouillard bleuté qui dissout les lumières orange de l’éclairage public. Chaque soir il y a quatre performances. J’occulte les noms de musiciens et vous les donnerai dans le désordre à la fin de l’article. Au lieu d’écrire des généralités sur chaque concert particulier, je vais traiter ce festival comme un gigantesque concert de dix heures, beaucoup de musiciens participaient à trois ou quatre formations différentes. Comment détourner le vibraphone de sa stabilité sonore ? Un frottant des secondes majeures avec un archet au lieu des mailloches et en plaquant des accords complexes. Ensuite la guitare trafiquée semble résonner de la rumeur du bruit des avions qui survolent en permanence Lisbonne, la piste d’atterrissage est juste à une sortie de la ville. Autre écho lointain des gigantesques bateaux porte-containers bourrés des produits en série de la mondialisation. Ensuite Psico-free & Manicômio, un quartet de fous furieux dont la polyrythmie est utilisée comme refus de notre société du spectacle. Pour terminer le Suspensao Ensemble. Suspension du son et des certitudes esthétiques. Les adorateurs du silence sont une dizaine de musiciens à jouer pendant une demi-heure à moins cinquante décibels maximum c’est-à-dire le niveau sonore du tic-tac de votre montre mécanique, triple « ppp » si la chose était écrite. Impression très spectaculaire d’absence d’événements.

DEUXIÈME SOIR
Je n’ai écouté ni le premier ni le troisième groupe parce que je jouais en seconde position avec Miguel Mira, violoncelliste de génie. Tant pis ! Je fais une exception à ma règle d’occultation des noms et vais vous tartiner mon ego… Miguel est le musicien idéal. Nous sommes de la même génération. Vieille école. Nous jouons un free aventureux, virtuose avec une écoute télépathique. Excusez du peu comme dirait un vrai journaliste. J’écris masqué. Je n’y suis pour personne. Dernier concert de la soirée avec les quinze musiciens de la Théorie des cordes, probable référence à la théorie avancée de la relativité générale improvisée par des groupes de violons, violons altos dont Ernesto Rodriguez, l’organisateur et chef discret, violoncelles, contrebasses, guitare, dulcimer et piano. Le matériau sonore très fluide avance comme un monolithe spatial en plein essor dans la bande de fréquence de l’univers.

TROISIÈME SOIR
Le robot Facebook me propose de rester chez moi parce qu’il pleut. Après une longue sécheresse, le pays est en liesse. Je démarre la soirée en jouant avec mon vieil ami, le percussionniste Chico-go-blues. Nous lisons mon texte simultanément en portugais et en français. « L’impro c’est le chaos. Le chaos est les prémices de l’ordre. L’ordre est l’arrivée de la mélodie. La mélodie déclenche le rythme. Le rythme déclenche la vitesse. Accélération démesurée ! Tout se casse la gueule dans un bruit énorme. Mystère de l’entropie. » Magma sonore. Langue intermédiaire à racine latine. Les trois groupes suivants donnent un échantillon de la scène portugaise actuelle multiforme et bouillonnante. Pour finir un extraordinaire trompettiste légendaire et méconnu. J’ai l’impression d’être à Berlin, juste avant la gentrification galopante, même exaltation créative d’artistes enthousiastes prêts à jouer pour le plaisir. Lisbonne quant à elle se fissure petit à petit sous les infiltrations de la mondialisation. L’immobilier grimpe. La pauvreté augmente. Crash Saudade. Scratch Nostalgia. Brutal Nova.

QUATRIÈME JOUR
Free jazz Company, excellent groupe avec un nom synthèse splendide de free jazz et free music. Puis Palimpsest, on gratte la free music pour trouver en dessous le free jazz puis on continue à gratter et on trouve la musique classique. Ensuite le Red Trio, le groupe que j’ai préféré du festival. Ils ressuscitent une sorte de trio FMP que je ne nommerai pas. La bonne musique ne meurt jamais. La musique écrite se transmet par le biais du texte. L’improvisation sublime se transmet par capillarité dans l’air du temps. Soudain la fin d’une improvisation arrive au détour d’une note, évidente autant pour l’auditeur que pour le musicien. Pour terminer IKB ensemble, un autre grand orchestre d’une vingtaine d’instrumentistes spécialisés dans le silence ensoleillé. Impression de vide et de repos, mais tout le monde sait que le silence n’existe pas. A l’écoute de l’enregistrement, si l’on perd le repère fictif du zéro décibel (seuil de référence d’intensité sonore), on découvre le monde microscopique de l’infiniment petit de cellules complexes et d’objets minuscules, inaudibles comme des micros processeurs puissants et quasi invisibles.

DERNIER JOUR
Je passe devant les carreaux de faïence bleutée de la station de métro Parque gravés de citations et dessins. « C’est par la musique qu’a commencée l’indiscipline » (Platon). Ce pourrait résumer ce festival porteur de la musique du proche avenir. La notion de désordre sonore représente tellement notre société que toutes ces musiques à base de boîte à rythmes symbolisent la dictature Mainstream. Dans peu de temps, les futurs auditeurs des médias généralistes auront les oreilles explosées. Ils remplaceront le niveau sonore excessif d’une rythmique dictatoriale par le chaos amusant de l’anarchie sonore de la musique créative jouée à un niveau acoustique modéré. Une sorte de décroissance de la production de musique. Maintenant tous les styles coexistent. Il n’est pas question du combat de l’un contre l’autre, mais de circuits multiples, de démarches parallèles, de tribus organisées. Méfiez-vous : si vous n’y prenez garde, la musique créative pourrait devenir la musique politiquement correcte. En tout cas, la  free music est bien vivante et c’était une surprise, même pour moi. La rage est inexprimable avec un métronome. Elle l’est avec le cri, la dissymétrie, l’informel, le bruit brutal, le kaput play à s’arracher la gorge. Malgré tout, le mauvais esprit de l’absence de rythme est dommageable. Les syncopes restent l’oxygène de la musique.

DERNIER SOIR
Quatre concerts passionnants, avec une pianiste canadienne sublime puis la clôture : le Variable Geometry Orchestra. La quarantaine de musiciens du festival propulsé dans une improvisation grandiose dirigé par Ernesto toujours très calme (c’est le genre de type à boire un café avant d’aller se coucher), un peu à la manière du soundpainting ou de la conduction, mais avec des signes et des règles improvisées comme leur traduction sonore par chaque musicien. Les artistes sont disposés au hasard sur la scène par désordre d’arrivée. Les contrebassistes sont devant les saxos, les quatre batteurs sont placés à chaque coin de la scène. Fin de « variable » sur une longue résonnance décroissante jusqu’au silence… •

Au total vingt concerts. Environ dix heures de musiques diffusées en direct sur YouTube et maintenant archivés sur la page misomusic.com. Étienne Brunet

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

ENSEMBLES - Ernesto Rodrigues em versão big


photo: Ernesto Rodrigues & Manuel Mota

Improvisar sem partituras com uma orquestra ou um grupo com grande número de elementos é particularmente difícil, havendo mesmo quem jure ser impossível. O violetista de Lisboa encontrou nisso um desafio e com projectos como Variable Geometry Orchestra, IKB, Suspensão e Diceros vem ultrapassando problemas e propondo maravilhas. A jazz.pt ouviu os discos…

Há três figuras que ganharam o estatuto de pivôs da cena da improvisação em Portugal. Um devido ao seu pioneirismo, dando origem a uma movimentação que tem crescido exponencialmente, outro porque criou um sistema muito específico que se tornou num modelo referencial e um terceiro que vem mobilizando um grande número de músicos das mais variadas áreas em torno dos seus projectos. No primeiro caso está Carlos “Zíngaro”, com a mais-valia de se ter mantido na linha da frente de uma música continuamente em renovação. No segundo, evidencia-se Sei Miguel, com metodologias que influenciaram decisivamente as práticas de algumas importantes figuras hoje em actividade, começando por Rafael Toral, Manuel Mota e Pedro Gomes. Finalmente, no terceiro caso encontramos Ernesto Rodrigues, cujos “ensembles” alargados envolvem uma boa parte dos agentes da cena lisboeta da música improvisada, independentemente das suas orientações estéticas.
Mas não é só: as mais recentes edições das “big bands” de Rodrigues, designadamente Variable Geometry Orchestra (mais conhecida como VGO), IKB, Suspensão e a recém-estreada Diceros, têm dado novos e muito positivos contributos para esse difícil empreendimento que é improvisar – sem partituras nem motivos previamente estabelecidos – em formato orquestral. Nesse aspecto, também ele tem uma fórmula pessoal para enfrentar os problemas organizacionais levantados pelo contexto. Uma perspectiva muito sua, e transferida dos pequenos grupos de que partiram para outros que vão dos oito elementos a quase 50, dos conceitos propostos pelo Spontaneous Music Ensemble de John Stevens e pelos AMM de Cornelius Cardew, tendo como exemplos pelo meio o que fez a Globe Unity Orchestra e mais recentemente a London Improvisers Orchestra. Outras referências parecem ser John Cage (uso do silêncio), Morton Feldman (não-linearismo) e Emmanuel Nunes (os, no compositor, característicos “alongamento” e “dobragem” das estruturas musicais).

[…] A importância de Ernesto Rodrigues na música criativa portuguesa está ainda à espera, por cá, do reconhecimento que lhe é devido, e isto não obstante ser o improvisador nacional com mais discos lançados. Estes que nesta página vos apresentamos projectaram-no no mundo, com a imprensa especializada a elogiá-lo entusiasticamente. Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)

terça-feira, 29 de agosto de 2017

LISBON STRING TRIO - Em busca do acorde perfeito


Diceros (foto de Nuno Martins)



O outro trio de cordas de Lisboa lançou seis discos seis com a sua particular proposta de música de câmara improvisada, cinco deles com músicos de outros países que, propositadamente, não tocam cordofones. O seu propósito é mostrar que o que três ou quatro pessoas criam musicalmente em conjunto, com poucos elementos (notas), só pode ser melhor do que aquilo que fizer uma apenas, com muitos. Dizendo de outro modo: um acorde ou é colectivo ou resulta imperfeito.

A designação Lisbon String Trio tem o inconveniente do muito uso e da possibilidade de ser confundida com outros projectos, e logo para começar dentro do próprio rectângulo de terra a que chamamos Portugal. Foi exactamente com esse nome que tocou, no Jazz em Agosto de 2016, a secção de cordas (portuguesa) dos Young Philadelphians de Marc Ribot. Aos músicos clássicos João Andrade (violino), Teresa Fleming (viola) e Nelson Ferreira (violoncelo) foi pedido que, além de lerem as partituras de temas históricos de disco e R&B, também improvisassem. Dessa tarefa saíram-se bastante bem, não obstante a sua inexperiência nesse tipo de abordagem e o atabalhoamento da condução de um Ribot a tocar e a dirigir em simultâneo. Lisboa String Trio é ainda (só varia uma letra) o nome de um grupo que junta José Peixoto (guitarra), Bernardo Couto (guitarra portuguesa) e Carlos Barretto (contrabaixo), também ele dedicado a associar o jazz com outras formas de música, no caso a nacional.
Este outro Lisbon String Trio nada tem que ver com ambos esses exemplos, ainda que, à semelhança do último, não corresponda à instrumentação típica do trio de cordas da música de câmara. Nesse domínio, as variantes vão para as combinações entre violino, viola e violoncelo (a mais comum), dois violinos e violoncelo, dois violinos e viola e uma reduzida quantidade de outras associações, a mais conhecida e recente das quais concretizada por um homem que, habitualmente, compõe e toca jazz, John Zorn – trata-se de “Walpurgisnacht”, de 2004, para violino, viola e contrabaixo. Agora, a fórmula junta uma viola, a de Ernesto Rodrigues, um violoncelo, o de Miguel Mira, e um contrabaixo, o de Alvaro Rosso. Todos os três têm um percurso na livre-improvisação e é nesse âmbito que actuam. Com a particularidade de dois deles (Rodrigues e Rosso) terem formação clássica e um (Mira) vir do jazz, do funk e dos blues, se bem que com outras experiências de renovação do modelo camerístico de permeio, nomeadamente a do Staub Quartet, com Carlos “Zíngaro”, Hernâni Faustino e Marcelo dos Reis.
A reunião destes três improvisadores não era a mais óbvia de ocorrer, dado que Ernesto Rodrigues tem feito o seu percurso na linha do reducionismo, Miguel Mira prefere situações mais “jazzy”, como a do Motion Trio de Rodrigo Amado, que integra, e Alvaro Rosso tem-se notabilizado numa linha “old school” (passe o termo) da música improvisada. O álbum “Proletariat” revelou, no entanto, que a mistura destas personalidades trazia algo de particularmente interessante. O princípio número 1 do trio está na utilização individual do mínimo de elementos, num contexto em que o que realmente importa é o efeito de conjunto. Só há acordes quando o último membro do trio acrescenta uma nota às dos seus parceiros, sabendo que é essa nota que dá seguimento ao que vem depois, num imediatismo da responsabilidade que pode ser esmagador. É como se se procurasse o acorde perfeito, e “perfeito” porque resultante de uma verdadeira, não planeada, espontânea, geração.
Se tal, nesse disco, funcionou como um modelo, os cinco CDs posteriores (e editados em rápida sucessão) desta cooperativa musical colocaram-no em causa (ainda que prolongando as suas implicações) sempre com a inclusão de um convidado, por regra um músico de outro país em passagem por Portugal. Além de se transformarem as situações triangulares em quartetos bem menos esquemáticos, quebrou-se com o molde “grupo de cordas”. “Télépathie” juntou ao trio o saxofone soprano do francês Étienne Brunet. Em “K’ampokol Che K’aay” figura o norte-americano Blaise Siwula com um nele pouco usual clarinete (os seus instrumentos habituais são os saxofones alto e soprano). Em “Akuanduba” encontramos o clarinetista (baixo e soprano) brasileiro Luiz Rocha, radicado em Barcelona e parte da cena que gira à volta da Discordian Records. Em “Intonarumori” está o trombonista italiano Carlo Mascolo. Finalmente, em “Liames” intervém a pianista canadiana Karoline Leblanc. Rocha, Mascolo e Leblanc são frequentes participantes no MIA – Encontro de Música Improvisada de Atouguia da Baleia, com presenças a repetirem-se em várias edições. Brunet participou em 2017 num concerto do “ensemble” Paris-Lisbonne Connexion (Cinemateca Portuguesa) em que estiveram envolvidos José Lencastre, José Bruno Parrinha, Luís Vicente, Tiago Varela, Miguel Mira, Pedro Santo e Monsieur Trinité. Também este ano, Siwula tocou nas Oficinas do Convento, em Montemor-o-Novo, e na Zaratan, em Lisboa, com Jorge Nuno, Hernâni Faustino, Pedro Arelo e André Calvário.
Apesar das necessárias diferenças introduzidas pelo trabalho do quarto elemento, bem como dos questionamentos a que procedem das linhas condutoras do Lisbon String Trio, o que se verifica na audição destes discos é que a identidade do mesmo prevalece. Mantêm-se tanto as diferenças relativamente à música europeia contemporânea e à new music americana como o vínculo formal com as ditas, mantêm-se as dúbias relações com as referências do free jazz, umas vezes mais pacíficas e outras claramente em conflito, assim como são ambíguas as conexões da prática improvisacional perseguida com o “near-silence” e as preferências desta tendência pela textura e pelo timbre. As minhas preferências vão para a edição que apresenta o trio, até porque é aquela que define os fundamentos do projecto, e para os títulos em colaboração com Luiz Rocha e Carlo Mascolo, personalidades da improvisação dos nossos dias a quem ainda não foi dado o pleno reconhecimento internacional que merecem.
Não termino sem assinalar que as excelentes capas destes álbuns têm como base colagens de Dilar Pereira, artista visual que colabora com a jazz.pt. Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Improvised Music with a Textural Focus: Creative Sources




For years, the prolific Portuguese label Creative Sources has released challenging sets of improvised music with a distinctly textural focus. The label, founded and run by violist Ernesto Rodrigues, is home to an aesthetic of nuanced improvisation open as much to pure sound as to empty space. Because its extensive catalogue includes work by some of the top free improvisers active in Europe and elsewhere, it’s only natural that it would encompass a broad spectrum of approaches to improvisation. Nevertheless many of the releases share a meticulous concern with striking and maintaining an architectural balance of forces no matter how many or few musicians are playing, or how unconventional the sounds. Three of the label’s recent releases are consistent with this well-developed aesthetic strategy. Daniel barbiero (Percorsi Musicali)

terça-feira, 21 de março de 2017

CULTO CILCUITO

photo: Melanie Pereira


[…] A “triple bill” arrancou no Armazém 22 com o Lisbon String Trio de Ernesto Rodrigues, Miguel Mira e Alvaro Rosso, contrabaixista do Uruguai residente na capital portuguesa. Com estes intervenientes, gerou-se a expectativa de que o grupo de cordas trabalhasse na área de fronteira ente as duas grandes correntes da música de câmara improvisada, aquela que segue as premissas texturais e tímbricas do reducionismo, de que Rodrigues é entre nós o principal cultor, e a que é fiel às lógicas narrativas e de fraseado da livre-improvisação original (Mira é também membro do Staub Quartet, com Carlos “Zíngaro”, Hernâni Faustino e Marcelo dos Reis). Assim sucedeu, e com um espírito colectivista que foi fundamental para os desenlaces: um dos executantes atirava com um som, outro acrescentava-lhe um mais e com o terceiro completava-se um acorde. Foi quase sempre este o procedimento construtivo utilizado, em plena interacção e sem solos convencionais, indo do muito simples, cru e despido até complexas filigranas, estabelecendo um («raro», como dizia Paulo Alexandre Jorge na apresentação) mundo pós-clássico e pós-jazz. Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

CATCHING UP WITH ERNESTO RODRIGUES


photo: Ernesto Rodrigues & Fred Lonberg-Holm

Ernesto Rodrigues has a formidable discography. After launching Creative Sources in 2001 to begin documenting his own music, the label has grown to become an icon of free music—especially music preoccupied with silence and space, texture and timbre. As the label has expanded to encompass more artists, Rodrigues has continued to release his own projects and collaborations with musicians from across the globe. Now, more than 15 years later and with over 100 releases to his name, it can be intimidating to approach Rodrigues’ oeuvre. But it would be a shame to avoid it for fear of not knowing where to start.

Though all born of the same musical sensibility, Rodrigues’ discography could be grouped according to the varied approaches he takes to free improvisation. There are his large group experiments like Variable Geometry Orchestra, IKB, or Suspensão; his lowercase pursuits with musicians like Martin Küchen, Heddy Boubaker and Radu Malfatti; and livelier, more ‘traditional’ interplay on early discs like Multiples or recent releases with musicians like Roland Ramanan, Biliana Voutchkova, and Phillip Greenlief.  There are also long-form engagements: with electroacoustic music and the use of computers and electronics in improvisation; with other strings, pushing ceaselessly against conservatory conceptions of string instruments and their place in music; and ongoing dialogues with close musical comrades like Carlos Santos, José Oliveira, Nuno Torres, and his son, Guilherme Rodrigues, who has appeared on many of his albums, dating back to the first Creative Sources release. 


Regardless of the specific approach, there’s an aesthetic that underlies all of Rodrigues’ music, one that values the space that surrounds him as much as the music he then puts into it.  It also values the spaces between sounds and gestures, constantly weighing the balance between what exists in the moment before a musical act and what that act might add. David Toop writes in Into the Maelstrom that “music is a respiratory motion – created in the moment of action then fading away – and through that common bond of presence and absence all sounds are connected.” Thinking of music in terms of breathing—especially improvised music like Rodrigues’—has a certain appeal: something about sound as an exhalation; about silence as the corresponding inhalation, a necessary rest between sounds pushed out into being (and from which all is drawn in that gives those sounds meaning); about organic and corporeal rhythm, tied not to strict tempo but to the thrumming energy that marks the very state of being alive. Dan Sorrells (The Free Jazz Collective)

sábado, 7 de janeiro de 2017

NEWS FROM CREATIVE SOURCES


photo: Rui Silva


New from Creative Sources Records, {the} nature {of things} likes to hide [CS393]. A layered composition by Ernesto Rodrigues (viola) and Guilherme Rodrigues (cello), responding to two foundation tracks by me on prepared bass and granular synthesizer, respectively. As always, Ernesto and Guilherme play sensitively and appositely. (What is it that hides its nature? The double bass, first through preparations and extended technique, and then through granulation.) Daniel Barbiero (danielbarbiero.wordpress)