quarta-feira, 16 de junho de 2010




















Photo: Ernesto Rodrigues with Ingar Zach


Três dos melhores improvisadores nacionais reencontram-se para abordar um programa de música composta no momento em que é executada. Micro-climas sonoros criados em tempo real, que permitem investigar novas formas de combinação e organização sonora. O concerto de Ernesto Rodrigues, Manuel Mota e José Oliveira, ontem à noite na Trem Azul – a que assisti apenas parcialmente – naquilo que me foi dado ver e ouvir, cumpriu plenamente as expectativas. O som do trio é muito coeso e a sala da Trem Azul possui boas condições acústicas para a prática musical, em particular para este tipo de contextos, pequenas formações de improvisação livre, que induzem e facilitam uma relação de grande proximidade - de intimidade até - entre artistas e público. Musicalmente, o trio atingiu um elevado nível de maturação e desenvolvimento, evidenciando a prática de tocarem juntos, cujos resultados são conhecidos das gravações para a Creative Sources, editora portuguesa criada por Ernesto Rodrigues. Os músicos interagiram bem, construindo um discurso atravessado por uma poética que vai do silêncio à brusca explosão, numa linha estética que se filia na livre-improvisação europeia - em particular da escola de Londres, pós Spontaneous Music Ensemble (SME), profusamente documentada pela editora EMANEM - com referências à música de câmara contemporânea. Manuel Mota afagou, percutiu e esfregou as cordas, transformando a guitarra num instrumento cujo primeiro resultado é a produção de texturas, ora rugosas e ásperas, ora suaves e aveludadas, com enorme variação de cor e forma, que se misturam com a manta de percussão que José Oliveira estendeu, encolheu e voltou a estender. Estruturas flexíveis sobre as quais a liquidez sonora do violino de Ernesto Rodrigues teceu malhas recortadas a partir de uma imensa variedade de técnicas de execução do instrumento. A electrónica, usada com parcimónia e integrada na paisagem, contribuiu menos para a alteração ou modificação sonora, que para adicionar novos significados e um certo efeito de transparência sobre os procedimentos em curso. Música fragmentária e descontínua, mas assinalavelmente coesa e estruturada em regime de construção em tempo real, cheia de incidentes e surpresas a cada volta. Na música de Rodrigues, Mota e Oliveira, todos os sons e silêncios são válidos, pertinentes e fazem sentido, na sua totalidade como no mais ínfimo detalhe. Eduardo Chagas (Jazz e Arredores – à sombra de Ra)

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