quarta-feira, 16 de junho de 2010


Ernesto Rodrigues, Christine Sehnaoui, e Axel Dörner, ao vivo na Culturgest, em Lisboa. Sexta-feira, 31 de Outubro de 2008. A história de cada músico é conhecida pelo menos de quem segue com atenção o que se passa na Europa nesta área musical. Têm associados percursos individuais de aprendizagem, assimilação e libertação dos padrões e clichés da música improvisada, tal como o género se foi afirmando ao longo das últimas décadas. É esse o resultado do investimento naquilo que constitui factor de diferenciação: o trabalho minucioso e idiossincrático sobre as propriedades do som enquanto matéria-prima essencial, com particular incidência nos aspectos tímbricos e texturais de um género que assume a sua condição marcadamente não-idiomática. Eis o que se pode em termos actuais designar por moderna improvisação livre, que se encontra umas vezes imersa num estilo para-reducionista, em que o que se pretende é que menos por menos dê mais; outras procurando afirmar-se na permanente reelaboração do processo criativo, cujo valor final acabe por exceder o conjunto das contribuições de cada interveniente. Foram estes os vectores dominantes no concerto da Culturgest. Nessa medida, Rodrigues, Dörner e Sehnaoui deram a ouvir uma música essencialmente sinergética, na qual três subsistemas sonoros de elevada complexidade concretizaram uma tarefa que, sendo una, acabou por ser superior ao somatório das partes. Tenha-se bem presente que os três músicos, individual ou colectivamente considerados, transcendem quaisquer barreiras estéticas ou geográficas dentro da música improvisada, tal como se conhece desde há 40 anos. A multiplicidade de contextos em que têm trabalhado, juntos ou em separado – mas nunca neste trio – as tonalidade escolhidas e propostas, as sólidas bases comunicacionais, o conhecimento das técnicas dos respectivos instrumentos, a que somam outras por si inventadas, sobretudo na periferia física dos objectos produtores de som, criaram as bases para a exploração do catálogo sonoro para além dos limites que os próprios conhecem. Rodrigues, Dörner e Sehnaoui comunicaram de modo intuitivo na mesma língua franca, com sensibilidade e inteligência, exibindo um léxico rico e variado nas formas e nos modos de tratamento de cada situação. Admiráveis foram as trocas de sinais através de sinapses criadas no instante, que potenciaram o bom entendimento tripartido, através de afirmações, interjeições, sobreposições, aditamentos e outras maneiras de acrescentar complementaridade, mesmo quando a opção passava por ficar de fora num dado momento, a assistir, como o público, ao nascimento da próxima escultura sonora. E assim se esteve deliciosamente durante perto de uma hora a ouvir um set único, totalmente acústico, tocado numa sala que tem excelentes condições para a prática da modalidade, quer em termos de forma e dimensão, quer quanto às propriedades acústicas, o que permitiu perceber toda a actividade, do som em bloco até à partícula mais delicada e de menor volume. Se ainda não ficou claro, afirmo agora que o trio Rodrigues, Dörner e Sehnaoui, mercê da inspiração e do alto nível comunicacional dos participantes, ofereceu um recital primoroso, lírico e luxuriante no seu minimalismo. Boa notícia: o concerto foi gravado por Carlos Santos e é provável que venha a ter edição na Creative Sources Recordings. Eduardo Chagas

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