quarta-feira, 16 de junho de 2010
















Photo: Ernesto Rodrigues with Noid and Miguel Leiria Pereira



A música que os portugueses Ernesto Rodrigues e Guilherme Rodrigues (viola e violoncelo, respectivamente), o norte-americano Wade Matthews (flauta alto, clarinete baixo e laptop) e o libanês Bechir Saade (clarinete baixo, nay) tocaram na primeira parte do duplo concerto dia 17 de Janeiro, na Trem Azul, aproxima-se esteticamente de algumas correntes da composição contemporânea. Explorações musicais em que cada fragmento sonoro encerra conjuntos maiores ou menores de outros sons, harmónicos insinuados pelas cordas contra e a favor dos sopros, contrastando altas e baixas frequências em movimento. Música que em grande medida explora a gestão do silêncio como ausência de som (que não é o mesmo que ausência de música), a frase que se começa a desenhar mas que se deixa propositadamente inacabada, encaixa noutra de imprevisível origem, duração e direcção, que instiga a formação de contrastes e aproximações, matizes diversos de sombra e luz, cambiantes que se mesclam e complementam, notas soltas para quem as quiser apanhar e passar a outro. Ruídos cageanamente integrados na paisagem sonora, construção, ruptura, inflexão, acervo de assimetrias discursivas que se estabelecem propositadamente ao acaso, indeterminadas e instantâneas.
[…] Nada está escrito no papel, como na linguagem, em que a fala precede a escrita. No mesmo sentido, a improvisação serve finalidades de comunicação entre os músicos, e entre estes e o público, resultando na revelação de mundos sonoros complexos e misteriosos, que se posicionam para lá das convenções do tonalismo, atonalismo, reducionismo ou minimalismo, free jazz e livre-improvisação, fruto da interacção consciente entre músicos com diferentes backgrounds, formações, origens culturais e geográficas, irmanados no propósito de criação sonora em comum, em busca de qualquer coisa: outras formas de produção e de escuta musical.
Eduardo Chagas (Jazz e Arredores)

Sem comentários:

Enviar um comentário