photo: 'Ordinary Music Vol. 4, for Mixed Ensemble & Live-electronics' (rehearsal)
O violino já faz parte da vida de Ernesto Rodrigues há mais de trinta anos. Compositor, violetista e violinista, Ernesto Rodrigues já trabalhou com nomes reconhecidos nacional e internacionalmente, tais como Carlos Zíngaro, Evan Parker,Phil Niblock, Iannis Xenakis.
Desta feita, veio apresentar ao público o seu último trabalho, desenvolvido em conjunto com mais sete artistas: Abdul Moimemme (guitarra), Armando Pereira(acordeão e piano de brincar), Carlos Santos (electrónica), Gil Gonçalves (tuba),Guilherme Rodrigues (violoncelo), José Oliveira (percussão), Nuno Torres(saxofone). Suspensão é o nome da obra destes oito artistas, estreada na sexta-feira (dia 11) na Galeria Zé dos Bois.
Não foram muitos os que se dirigiram para o Bairro Alto numa sexta-feira de chuva. Porém, a plateia que assistiu à estreia do Octeto de Ernesto Rodrigues estava razoavelmente composta. Não é difícil compreender o seu porquê. Ernesto Rodrigues é um dos nomes de relevo no seio do jazz nacional. Adepto de improvisos, divagações libertinas e de particularidades sonoras que evocam logo o “free”, este trabalho não fugiu à regra que caracteriza a carreira do músico. Todavia, este projecto de oito músicos tem uma marca que se distingue. De carácter reducionista, uma aproximação do silêncio, uma procura ininterrupta do silêncio como forma de expressão.
Foi com base no silêncio – tanto como caminho, como objectivo – que cerca de uma hora de música se desenrodilhou. Não é fácil evocar o silêncio com mais de dez instrumentos em palco, uma plateia um tanto agitada e uma sexta-feira à noite no Bairro Alto. Se Ernesto Rodrigues fazia ouvir uma harpa tácita e Nuno Torres nos brindava com um saxofone que caminhava pela mudez, logo de seguida Gil Gonçalves soltava um som destemido de tuba que destruía de imediato a camada silenciosa que se propagava pela sala. A brincadeira esquemática – silêncio, não silêncio – foi o fruto da noite.
Sem paragens, os músicos desenvolviam momentos de maior tensão, em que a tuba, electrónica, percussão, violino e piano de brincar se faziam ouvir com maior energia, para logo de seguida se deixarem levar por uma onda sonora amena, apenas interrompida pelas vozes que se adivinhavam vindas das ruas bairristas.
Entre os músicos que davam o seu contributo individual (e simultaneamente colectivo) para que a música se fizesse ouvir, Guilherme Rodrigues seguia os passos do pai, Ernesto Rodrigues, que, em certa medida, o encaminhou no seu contributo. Alguma prematuridade esteve muito presente na interpretação de violoncelo de Guilherme Rodrigues. Contudo, é importante frisar a jovem carreira do violoncelista, principalmente em comparação com a carreira dos músicos que se encontravam em palco.
Se algo faltou, então foi a ligação entre os intérpretes. Claramente, é difícil que exista uma relação intensa entre oito músicos em palco. Se Ernesto Rodrigues trocava expressões com o seu filho e Gil Gonçalves compartilhava devaneios tubísticos com o percussionista José Oliveira, poucos momentos mais de partilha se viram e escutaram na actuação. Permanece a dúvida sobre se o desfasamento entre os músicos seria por ser uma estreia e, portanto, o projecto estar pouco desenvolvido nos parâmetros do desempenho ao vivo ou se a individualidade é pressuposta.
Em suma, a noite ficou marcada por uma experiência “near silence”. Afinal, o silêncio pode ser entendido nas mais diferenciadas dosagens e formas, pode ser vítima de diversas interpretações e relações. Foi a experiência do silêncio que deu azo a um exercício de criatividade feito por esta Suspensão de oito intérpretes distintos. Regina Morais