sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ernesto Rodrigues - Os discos da minha vida


Violetista e violinista com actividade nas areas do free jazz e da livre-improvisação desde a decada de 1980, tocou ou toca com musicos como Carlos Bechegas, Jose Oliveira, Manuel Mota, Marco Franco, Alfredo Costa Monteiro, Margarida Garcia, Carlos Santos, Nuno Torres, Pedro Rebelo, Michael Thieke, Christine Sehnaoui, Oren Marshall, Tetuzi Akiyama, Wade Matthews, Alessandro Bosetti, Birgit Ulher, Mark Sanders, Jean-Luc Guionnet, Seijiro Murayama, Raymond MacDonald, Rhodri Davies, Martin Kuchen, Gino Robair e David Stackenas, entre outros. Em paralelo, dirige a etiqueta Creative Sources, actualmente com mais de uma centena de CDs editados, e organiza eventos musicais, entre os quais o Creative Sources Fest. Estes sao as seus discos preferidos de sempre…

Eric Dolphy “Out To Lunch” Blue Note, 1964; Albert Ayler “Bells” ESP Disk, 1965; Ornette Coleman “Chappaqua Suite” CBS, 1966; AMM “AMM Music” Elektra, 1967; John Coltrane “Om” Impulse!, 1967; The Jazz Composer's Orchestra “The Jazz Composer's Orchestra” JCOA Records, 1968; Peter Brötzmann Octet “Machine Gun” BRÖ, 1968; Maurice McIntyre “Humility In The Light Of Creator” Delmark, 1969; Alan Silva “Skillfullness” ESP Disk, 1969; New Phonic Art “Begegnung In Baden- -Baden” Wergo, 1971; Sun Ra And His Intergalactic Research Arkestra “It's After The End Of The World -Live At The Donaueschingen And Berlin Festivals” MPS Records, 1972; Don Cherry & The Jazz Composer's Orchestra “Relativity Suite” JCOA Records, 1973; David Holland Quartet “Conference Of The Birds” ECM Records, 1973; Creative Construction Company “Creative Construction Company” Muse Records, 1975; Derek Bailey “Improvisation” Cramps Records, 1975; Gruppo Di Improvvisazione Nuova Consonanza “Musica Su Schemi” Cramps Records, 1976; Revolutionary Ensemble “Revolutionary Ensemble” Enja, 1977; Anthony Braxton “The Montreux / Berlin Concert” Arista, 1977; Cecil Taylor “Cecil Taylor Unit” New World Records, 1978; Evan Parker “Monoceros” Incus Records, 1978; MEV “United Patchwork” Horo Records, 1978; The Art Ensemble Of Chicago “Nice Guys” ECM Records, 1979; Globe Unity “Compositions” Japo Records, 1980; Wolfgang Fuchs / Georg Katzer “FinkFarker” FMP, 1990; The Sealed Knot “Untitled” Confront, 2000; Axel Dörner “Trumpet” A Bruit Secret, 2001; Jean -Luc Guionnet “Pentes” A Bruit Secret, 2002; Yoshimitsu Ichiraku / Kazushige Kinoshita / Taku Unami “Cymbal Violin Lapsteel” Hibari Music, 2002; Stéphane Rives “Fibres” Potlatch, 2003; Radu Malfatti "Wechseljahre Einer Hyäne” B-Boim, 2007 Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)

Ernesto Rodrigues - - Anti-Romântico

Photo: Ernesto Rodrigues with Birgit Ulher and Carlos Santos


O violetista Emesto Rodrigues tem três novos registos da sua intensa actividade, como habitualmente em conjunção com musicos de outras paragens (os suecos Martin Kuchen e David Stackenas em "Vinter" e "Wounds of Light", respectivamente, e o alemão TonArt Ensemble em "Murmurios") e com três dos seus mais habituais parceiros portugueses (o seu fiIho Guilherme, Carlos Santos e Nuno Torres). Todos as seus conteudos foram integralmente improvisados e todos explicitam o estadio actual da chamada corrente reducionista, aquela que no dominio da musica improvisada vem seguindo o mesmo objectivo de retirada de materiais sonoros e de redução do volume que testemunhamos em outras areas musicais, incluindo o jazz "mainstream". Curiosamente, quando tocam dentro dos parametros convencionais desse mesmo jazz. já Kuchen (Iider do grupo Angles, editado pela alfacinha Clean Feed) e Stackenas (que toca habitualmente com Mats Gustafsson, saxofonista que ja tivemos entre nós varias vezes) não seguem esses parametros...
Sobretudo, o que Emesto Rodrigues e demais improvisadores reducionistas vêm fazendo é operar um corte com a tradicao romântica vinda do seculo XIX em termos da expressao, e que tanlo influenciou o jazz como ate a "old school" da improvisação livre. O expressionismo e os "sheets of sound" que caracterizaram Charlie Parker, John Coltrane, Sonny Rollins e Albert Ayler, e também Evan Parker, John Zorn, Daunik Lazro e Frank Gratkowski, sao uma decorrencia directa dessa matriz romântica, permitindo tal distanciamento a criação de uma musica que troca o fraseado pelas texturas e a escala pelo som, mesmo o considerado como nao-musical. Emesto justifica do seguinte modo este outro caminho que esta a percorrer: «Há formas mais subtis, eficazes e condizentes com o panorama actual do mundo. Vivemos numa epoca de turbulência, em crise de valores e até de identidade. Cabe a arte contrapor-se à pobre realidade a que estamos sujeitos. Na musica,
o uso de microtonalismos, elementos psico-acusticos, "drones" e rugosidades sao fenomenologicamete mais apropriados para o conseguir. Estes atributos podem conferir um lado mais telurico ou mais escatologico. e eu gosto disso." O também responsável pela etiqueta Creative Sources é claramente o produto da matriz cruzada - com elementos do jazz e da musica erudita - de onde emergiram as praticas europeias da improvisação. No seu caso particular, parte dos postulados do serialismo e do pós-serialismo avançados par Webern e do free jazz segundo a especial perspectiva do violinista Leroy Jenkins com o Revolutionary Ensemble. "As miniaturas webernianas foram-me determinantes para a aproximação do silencio, a economia dos elementos e a extrema concentração da musica que pratico", diz_ Emesto Rodrigues já esteve mais proximo da "new thing" do que na actualidade: "0 presente revivalismo do free jazz era previsível. Na altura em que surgiu, esta tendencia era, sem duvida, arrojada, mas hoje nao tem a mesma carga politica e social. Foi "domada" e "civilizada", sendo mais facil de tolerar pela sociedade de consumo, Natural sera que haja uma aproximação entre a musica improvisada e a musica erudita contemporanea. As fronteiras entre ambas estão a diluir-se e ha cada vez mais permutas entre os dois universos, pelo que se explica o afastamento do jazz por parte de abordagens da improvisação como a minha. Depois do free jazz temos a free music, que engloba algumas das expressões libertarias reclamadas por aquela corrente do jazz e algumas das concepções subjacentes a musica dita "seria" e ainda a acusmatica, ao espectralismo, ao concretismo, a "laptop music"…». A primeira das verificações derivadas da audição destes tres discos e a diferente gestao do factor "near silence" que vem definindo esta corrente da musica improvisada. O TonArt Ensemble pode estar nos antipodas da estetica do grito de um Peter Brotzmann, mas os "murmurios" anunciados pelo titulo do CD sao profusos, agitados e inquietos. Quando, em "Vinter", Martin Kuchen introduz repetições rítmicas na trama, esta a distanciar-se umas boas milhas dos ultra-minimalistas conceitos de Radu Malfatti e Taku Sugimoto. Por sua vez, "Wounds of light" tem em David Stackenas o "joker" com a missao de manter instaveis os equillbrios que se vao construindo, abrindo feridas na superfície do silencio e lançando sombras sobre o que se ilumina. Em todas estas edições, o proprio Ernesto - considerado um dos principais "chefes de fila" do reducionismo internacional -multiplica-se em gestualismos, num frenesim que, incrivelmente, nunca deixa de ser subtil. Na sua batalha contra os resquicios do Romantismo, sO se alterou a esse nível o fascinio do musico de Lisboa pelo dito silencio: «Dizem-me muito os compositores que sabem privilegiar esse factor tão precioso, o silencio anunciado por John Cage tem hoje. finalmente. a importancia que nunca antes Ihe foi conlerida, São eles Helmut Lachenmann, Salvatore Sciarrino, Gerhard Stabler, Gerard Grisey, Toshio Hosokawa, Vadim Karassikov, lancu Dumiirescu e Wolfgang Rihm, para so citar alguns. E Emmanuel Nunes. Tem sido um enorme privilegio poder disfrutar, nos "workshops" que realiza, de todas as suas sagacidade, argucia e mestria. A sua obra e um testemunho vivo da busca permanente de novas soluções e respostas em materias como o contraponto e a especialização. Com uma destreza notavel no dominio de abstracções tão exactas como as matematicas, e frequentemente rotulado como demasiado frio, mental ou rigido - epitetos com os quais estou totalmente em desacordo. No fim de um concerto meu nos Instants Chavires, alguem do publico perguntou-me se a peça que tinhamos acabado de tocar era da minha autoria ou se teriamos interpretado uma obra de Nunes… Respondi-Ihe que tudo tinha sido improvisado. Ao longo dos anos, talvez tenha assimilado e interiorizado inconscientemente algumas das caracteristicas que melhor definem o estilo do compositor".
O que resta, então, da influencia de Leroy Jenkins nas três mais recentes propostas discograficas de Ernesto Rodrigues? Aquilo que o falecido violinista norte-americano legou de mais essencial aos que ficaram: a constante busca de novas soluções e possibilidades, mas também, o que nao e menos importante, a atitude de abertura que permite nunca tornar a que se descobre ou obtem num dogma.
Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)