sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ernesto Rodrigues - - Anti-Romântico

Photo: Ernesto Rodrigues with Birgit Ulher and Carlos Santos


O violetista Emesto Rodrigues tem três novos registos da sua intensa actividade, como habitualmente em conjunção com musicos de outras paragens (os suecos Martin Kuchen e David Stackenas em "Vinter" e "Wounds of Light", respectivamente, e o alemão TonArt Ensemble em "Murmurios") e com três dos seus mais habituais parceiros portugueses (o seu fiIho Guilherme, Carlos Santos e Nuno Torres). Todos as seus conteudos foram integralmente improvisados e todos explicitam o estadio actual da chamada corrente reducionista, aquela que no dominio da musica improvisada vem seguindo o mesmo objectivo de retirada de materiais sonoros e de redução do volume que testemunhamos em outras areas musicais, incluindo o jazz "mainstream". Curiosamente, quando tocam dentro dos parametros convencionais desse mesmo jazz. já Kuchen (Iider do grupo Angles, editado pela alfacinha Clean Feed) e Stackenas (que toca habitualmente com Mats Gustafsson, saxofonista que ja tivemos entre nós varias vezes) não seguem esses parametros...
Sobretudo, o que Emesto Rodrigues e demais improvisadores reducionistas vêm fazendo é operar um corte com a tradicao romântica vinda do seculo XIX em termos da expressao, e que tanlo influenciou o jazz como ate a "old school" da improvisação livre. O expressionismo e os "sheets of sound" que caracterizaram Charlie Parker, John Coltrane, Sonny Rollins e Albert Ayler, e também Evan Parker, John Zorn, Daunik Lazro e Frank Gratkowski, sao uma decorrencia directa dessa matriz romântica, permitindo tal distanciamento a criação de uma musica que troca o fraseado pelas texturas e a escala pelo som, mesmo o considerado como nao-musical. Emesto justifica do seguinte modo este outro caminho que esta a percorrer: «Há formas mais subtis, eficazes e condizentes com o panorama actual do mundo. Vivemos numa epoca de turbulência, em crise de valores e até de identidade. Cabe a arte contrapor-se à pobre realidade a que estamos sujeitos. Na musica,
o uso de microtonalismos, elementos psico-acusticos, "drones" e rugosidades sao fenomenologicamete mais apropriados para o conseguir. Estes atributos podem conferir um lado mais telurico ou mais escatologico. e eu gosto disso." O também responsável pela etiqueta Creative Sources é claramente o produto da matriz cruzada - com elementos do jazz e da musica erudita - de onde emergiram as praticas europeias da improvisação. No seu caso particular, parte dos postulados do serialismo e do pós-serialismo avançados par Webern e do free jazz segundo a especial perspectiva do violinista Leroy Jenkins com o Revolutionary Ensemble. "As miniaturas webernianas foram-me determinantes para a aproximação do silencio, a economia dos elementos e a extrema concentração da musica que pratico", diz_ Emesto Rodrigues já esteve mais proximo da "new thing" do que na actualidade: "0 presente revivalismo do free jazz era previsível. Na altura em que surgiu, esta tendencia era, sem duvida, arrojada, mas hoje nao tem a mesma carga politica e social. Foi "domada" e "civilizada", sendo mais facil de tolerar pela sociedade de consumo, Natural sera que haja uma aproximação entre a musica improvisada e a musica erudita contemporanea. As fronteiras entre ambas estão a diluir-se e ha cada vez mais permutas entre os dois universos, pelo que se explica o afastamento do jazz por parte de abordagens da improvisação como a minha. Depois do free jazz temos a free music, que engloba algumas das expressões libertarias reclamadas por aquela corrente do jazz e algumas das concepções subjacentes a musica dita "seria" e ainda a acusmatica, ao espectralismo, ao concretismo, a "laptop music"…». A primeira das verificações derivadas da audição destes tres discos e a diferente gestao do factor "near silence" que vem definindo esta corrente da musica improvisada. O TonArt Ensemble pode estar nos antipodas da estetica do grito de um Peter Brotzmann, mas os "murmurios" anunciados pelo titulo do CD sao profusos, agitados e inquietos. Quando, em "Vinter", Martin Kuchen introduz repetições rítmicas na trama, esta a distanciar-se umas boas milhas dos ultra-minimalistas conceitos de Radu Malfatti e Taku Sugimoto. Por sua vez, "Wounds of light" tem em David Stackenas o "joker" com a missao de manter instaveis os equillbrios que se vao construindo, abrindo feridas na superfície do silencio e lançando sombras sobre o que se ilumina. Em todas estas edições, o proprio Ernesto - considerado um dos principais "chefes de fila" do reducionismo internacional -multiplica-se em gestualismos, num frenesim que, incrivelmente, nunca deixa de ser subtil. Na sua batalha contra os resquicios do Romantismo, sO se alterou a esse nível o fascinio do musico de Lisboa pelo dito silencio: «Dizem-me muito os compositores que sabem privilegiar esse factor tão precioso, o silencio anunciado por John Cage tem hoje. finalmente. a importancia que nunca antes Ihe foi conlerida, São eles Helmut Lachenmann, Salvatore Sciarrino, Gerhard Stabler, Gerard Grisey, Toshio Hosokawa, Vadim Karassikov, lancu Dumiirescu e Wolfgang Rihm, para so citar alguns. E Emmanuel Nunes. Tem sido um enorme privilegio poder disfrutar, nos "workshops" que realiza, de todas as suas sagacidade, argucia e mestria. A sua obra e um testemunho vivo da busca permanente de novas soluções e respostas em materias como o contraponto e a especialização. Com uma destreza notavel no dominio de abstracções tão exactas como as matematicas, e frequentemente rotulado como demasiado frio, mental ou rigido - epitetos com os quais estou totalmente em desacordo. No fim de um concerto meu nos Instants Chavires, alguem do publico perguntou-me se a peça que tinhamos acabado de tocar era da minha autoria ou se teriamos interpretado uma obra de Nunes… Respondi-Ihe que tudo tinha sido improvisado. Ao longo dos anos, talvez tenha assimilado e interiorizado inconscientemente algumas das caracteristicas que melhor definem o estilo do compositor".
O que resta, então, da influencia de Leroy Jenkins nas três mais recentes propostas discograficas de Ernesto Rodrigues? Aquilo que o falecido violinista norte-americano legou de mais essencial aos que ficaram: a constante busca de novas soluções e possibilidades, mas também, o que nao e menos importante, a atitude de abertura que permite nunca tornar a que se descobre ou obtem num dogma.
Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)

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