quarta-feira, 16 de junho de 2010
















Photo: Ernesto Rodrigues with Alexander Frangenheim, Chris Heenan and Ofer Bymel


Congregando músicos das mais diversas proveniências, da electrónica à livre improvisação e sem esquecer o jazz, a Variable Geometry Orchestra (VGO), liderada pelo violinista Ernesto Rodrigues, é uma formação de características únicas no panorama das músicas improvisadas em Portugal.
No passado dia 1 de Abril, a Galeria Zé dos Bois proporcionou-nos uma das raras ocasiões para assistir a uma actuação ao vivo deste agrupamento de alargadas dimensões.
Uma das novidades deste concerto, fazendo jus à própria designação da orquestra, foi o assinalável incremento do número de músicos participantes, que agora quase chegou aos trinta. Este engrossar das fileiras da VGO, que na actuação anterior havia “apenas” contado com dezasseis elementos, consistiu essencialmente no reforço do naipe dos sopros, secção menos bem representada face à crescente preponderância da instrumentação electrónica na estratégia da orquestra.
Destaque, assim, para os regressos de músicos como Rodrigo Amado e Eduardo Lalá, e para a estreia de um saxofonista que muitas cartas tem dado ultimamente – Alípio Carvalho Neto. No entanto, ao equilíbrio instrumental que Ernesto Rodrigues procurou conferir ao conjunto contrapunha-se um risco acrescido – a susceptibilidade de tanto as madeiras como os metais se sobreporem sem grandes dificuldades aos demais instrumentos. Se a isto somarmos as dificuldades inerentes às condições acústicas da sala, um espaço manifestamente exíguo para a dimensão da orquestra, o que obrigava os músicos a disporem-se muito perto uns dos outros, não havia dúvidas que estávamos perante uma performance de elevado risco.
A verdade é que ao longo da quase hora de música que nos foi proporcionada, todos os intervenientes demostraram estar à altura dos desafios que a priori se colocavam. Pese o facto de alguns destes músicos nunca antes terem tocado entre si, o tutti funcionou sempre como uma unidade consistente e equilibrada, prevalecendo entre os elementos da orquestra o espírito de interacção e comunicação sem o qual um projecto desta natureza dificilmente poderia vingar. E atestando isso mesmo, Ernesto, como coordenador de esfoços e sensibilidades, apenas pontualmente foi obrigado a interferir no rumo dos acontecimentos, mas sem que com isso constrangesse em demasia a liberdade criativa dos músicos.
Em linha com outras actuações, um aspecto a louvar neste concerto foi o facto de a VGO ter evitado seguir de forma declarada e previsível os ensinamentos de predecessores emblemáticos neste género de experimentações (Sun Ra, Globe Unity ou London Improvisors Orchestra). Por exemplo, se as notas de apresentação do concerto deixavam antever uma aposta assumida numa estratégia de alternância entre irrupções expressionistas e períodos de serenidade e acalmia, sentiu-se, bem pelo contrário, que as situações fluíram com naturalidade e ao sabor da inspiração e intuição conjuntas.
De referir também que raras vezes um ego sobressaíu. Aliás, duas foram as excepções em que tal aconteceu. Primeiro foi Eduardo Lalá, um músico que se sente à vontade tanto em contextos de música escrita como improvisada, que sobreluziu num poderoso e pujante solo. Depois, e já perto do final, Peter Baastian irrompeu da assistência para, numa entoação grave e sibilina, declamar densas e inspiradas galimatias, naquela que acabou por ser uma das maiores supresas da noite.
Volvida mais uma importante etapa de maturação da VGO, os próximos concertos, que se espera virem a ocorrer com mais frequência do que os anteriores, virão certamente confirmar que este é um projecto com amplo potencial de evolução. E, no seguimento do que nos tem sido dado a apreciar, é provável que as suas preocupações assentem no aprofundamento de dois vectores essenciais – a exploração das inúmeras possibilidades de desdobramento das várias secções orquestrais, e a efectiva e eficiente explanação de texturas e nuances instrumentais.
Ficamos então a aguardar por novos desenvolvimentos.
João Aleluia (Jazz.pt)

Sem comentários:

Enviar um comentário