quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Creative Sources Recordings: a arte de domar o indomável

 



Se falarmos da arte de domar o indomável, no campo da música, a história da Creative Sources Recordings pode ser o melhor exemplo, se não o único, que temos em Portugal, em especial nos campos da improvisação, experimentação e eletroacústica.

Se falarmos da arte de domar o indomável, no campo da música, a história da Creative Sources Recordings pode ser o melhor exemplo, se não o único, que temos em Portugal. Editora discográfica fundada em 2001 por José Ernesto Rodrigues, sob a sua alçada foram até hoje editados mais de sete centenas de discos dedicados à improvisação, à experimentação e à eletroacústica, para resumir o mais possível. Mas com tantas edições e um número ainda mais impressionante de músicos que fariam parte de eventual ficha técnica exaustiva, há muita mais música — ou géneros de música — para além desta redutora descrição.

Ernesto Rodrigues nasceu em Lisboa, a 29 de agosto de 1959. Orientado pelo oboísta, compositor e maestro Wenceslau Pinto, frequentou a Academia de Amadores de Música e, depois, o Conservatório Nacional, onde viria a estudar violino e composição. Estudou com Emmanuel Nunes, Paulo Brandão e Eurico Carrapatoso e integrou workshops e outras formações com Jorge Peixinho, Constança Capdeville e outros compositores. Como músico, Ernesto Rodrigues participou em discos de Fausto, Jorge Palma, Carlos Bechegas, Flak, Sitiados, Bernardo Devlin e Sei Miguel estreando-se em nome próprio, num duo com Jorge Valente, ex-Plexus, no CD Self Eater And Drinker, editado pela audEo, em 1999.

O principal interesse do violinista, como se percebia nesse disco, estava na música contemporânea, eletroacústica, e na ligação entre a obra composta e a improvisação livre. Nota-se que há na sua obra uma relação dinâmica entre a organização dos sons e a sua modulação mais, ou menos, espontânea. Alargando a sua dedicação a outro cordofone de arco, a viola, a sua criação musical seguiu cada vez mais um trajeto de distanciamento dos conceitos clássicos, preparando recorrentemente o violino ou a viola e intervindo ao nível da microtonalidade. Da sua criação sonora saem obras para música de dança, bandas-sonoras, artes plásticas e intervenção poética. Colaborou com muitos nomes destacados no panorama nacional e internacional da música improvisada e fundou ou integrou os grupos Metropolis, Fromage Digital, Lautari Consort, IKB (da expressão International Klein Blue), String Theory, Iridium String Quartet, Suspensão, Lisbon String Trio, Diceros, L'Ensemble Instable, Octopus, Isotope Ensemble, Luso-Scandinavian Avant Music Orchestra, New Thing Unit, Free Music Septet e a Variable Geometry Orchestra. Aliás, o duo formado por Ernesto Rodrigues e Jorge Valente, a que acima nos referimos, também já se chamou Orquestra Vermelha.

A Creative Sources estreia-se em 2001 com o CD Multiples, assinado em trio por Ernesto Rodrigues (violino, viola e também saxofone soprano), pelo seu filho Guilherme Rodrigues (violoncelo) e por José Oliveira (percussão e guitarra acústica). Nesse ano a editora lançaria mais quatro discos, depois outros quatro em 2003 e a partir daí regista-se uma intensa atividade editorial que, a três meses do final de 2021, conta já com mais de 700 referências lançadas. Registe-se também a realização do Creative Sources Festival, que tem lugar em Lisboa e apresenta ao vivo, ultimamente no espaço do O’culto da Ajuda, novos valores e nomes consagrados da música improvisada, experimental e eletroacústica, de Portugal e do resto do mundo. Acrescente-se ainda que a generalidade das edições discográficas e do material de comunicação da editora tem um traço gráfico comum e característico, uniformizador, assinado pelo músico e designer Carlos Santos.

A Creative Sources Recordings tem vindo a fazer, de forma cada vez mais notável, essa tarefa exigente e difícil de domar o indomável. Ou seja, a de dar um espaço de vida à música livre, seja improvisada, experimental ou eletroacústica, apresentando-nos um imenso conjunto de pequenas memórias discográficas, como as pedrinhas que se amontoam na areia das praias que visitamos e perante as quais sentimos o natural desejo de criar ligações, de acolher memórias, de as explorar sensorialmente e de as manter connosco para a vida. Luis Freixo

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