photo by Nuno Martins
Em tempos particulares, especial foi a 14ª edição do Creative Fest, com três ensembles a actuarem no O’Culto da Ajuda em horários incomuns dos três últimos dias da semana que passou. A jazz.pt assistiu ao primeiro concerto, o de um String Theory que deve o seu nome tanto ao facto de incluir apenas instrumentos de cordas como ao entendimento que tem das forças gravitacionais descritas pela Teoria das Cordas.
Numa edição do Creative Fest marcada pela conjuntura pandémica que atravessamos, tanto em termos de conteúdo (três concertos apenas em três dias) como de horários (as duas primeiras actuações, a 19 e 20 de Novembro, foram marcadas para as 19h00, e a última, no sábado passado, aconteceu às 11h00), o curador do festival (e responsável da editora Creative Sources), Ernesto Rodrigues, escolheu três grandes formações do catálogo daquela discográfica, String Theory, Isotope Ensemble e IKB, de modo a reunir no O’culto da Ajuda o maior número possível de improvisadores da cena de Lisboa. A jazz.pt esteve presente na abertura, realizada com o agrupamento que tem por característica incluir apenas instrumentos de, ou com (caso do piano), cordas.
Daí o nome, String Theory, com referência à Teoria das Cordas, mas com algo mais a justificar tal escolha: se os objectos unidimensionais desta corrente da física são designados como “cordas” devido ao carácter vibracional que as leva a propagarem-se no espaço e a interagirem umas com as outras, ficou muito claro na prestação do ensemble – formado na ocasião por Ernesto Rodrigues, Maria do Mar, Yu Lin Humm, Miguel Ivo Cruz, Abdul Moimême, Miguel Mira, Carlos Santos, Flak, Luís Lopes, Pedro Bicho, Bernardo Álvares e Luísa Gonçalves –, que o mais importante factor deste campo de estudo científico, o da acção das forças gravitacionais, era o procedimento utilizado para todos os desenvolvimentos a que assistimos.
Com uma extrema contenção de volumes, o String Theory só não se aproximou do âmbito do chamado reducionismo porque eram profusos os pequenos elementos que se aglomeravam no ar, com muitas coisas a acontecerem em simultâneo, formando camadas sobre camadas. O principal centro gravitacional era, como habitualmente nas prestações do projecto, o próprio Ernesto Rodrigues, que introduzia as sequências definindo o rumo a seguir ou olhava para os lados a fim de os restantes instrumentistas se prepararem para uma mudança de direcção. À viola do discreto condutor iam-se associando timbres e contribuições, seguindo um percurso tão bem organizado que parecia, por vezes, composto ou de alguma maneira predeterminado.
Outros elementos de gravidade se proporcionaram durante a viagem: por exemplo, Maria do Mar ora desenvolvia no violino as linhas da viola, ora se relacionava com o violoncelo de Yu Lin Humm. Ao piano, Luísa Gonçalves optou, regra geral, por introduzir factores de contraste, o mesmo fazendo Miguel Ivo Cruz com a sua viola da gamba, no seu caso puxando a música para contextos mais convencionalmente camerísticos. Na circunstância substituindo os seus habituais “laptop” e sintetizador por uma cítara, Carlos Santos decidiu ter uma intervenção ainda mais liliputiana do que as dos demais, de tal modo que o que fazia com um “e-bow” e com preparações acabava por se distinguir. Inclusive, das “camas” abstractas criadas por Abdul Moimême, que submeteu a sua guitarra acústica às suaves agressões de címbalos e diversas aplicações metálicas.
Tudo isto exigia do público uma grande concentração auditiva, única forma de captar todos os detalhes, ainda que a mesma surgisse muito naturalmente. As atmosferas, que a estes ouvidos sugeriam calmas ondulações do mar ou de um campo de trigo, convidavam a um “deixar-se ir” prazenteiro e algo encantatório. No final, Rodrigues colocou o seu instrumento sobre o joelho, assinalando que o concerto (que durou um pouco mais de uma hora, sem interrupções) ia terminar, aguardando que as emissões sonoras do ensemble fossem gradualmente perdendo massa até se instalar o silêncio – para todos os efeitos a maior força gravitacional do mundo auditivo. Não foi uma viagem estratosférica, esta: foi, isso sim, uma viagem pelo interior de nós mesmos, comprovando que até uma orquestra pode ser introspectiva. A actuação foi gravada e irá ser editada em disco da Creative Sources num futuro próximo, para outros além dos presentes (a lotação máxima era de 25 pessoas) poderem ouvir o que se passou ali para os lados de Belém. Como afirmou o físico Brian Greene, «as coisas são como são no universo porque, se não fossem, não estaríamos cá para darmos conta delas». Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)
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