quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Creative Sources Fest XI - Improvisar colectivamente



photo by Cláudio Rêgo

O mês de Novembro trouxe consigo mais uma edição – a 11ª – do festival promovido pela editora Creative Sources, pela primeira vez com cinco dias de duração. A jazz.pt esteve presente em alguns dos concertos e estes colocaram algumas questões que no futuro seria importante colocar em debate (foto acima: String Theory).

Com a mesma longevidade da Clean Feed (o seu primeiro disco data de 2001) e semelhante número de títulos (vai a caminho dos 500), a Creative Sources teve no passado mês de Novembro a 11ª edição do seu festival, este ano com cinco dias de duração, indo dos três aos cinco concertos em cada sessão. Uma das mais importantes editoras do circuito internacional da improvisação reducionista, mas com um catálogo que a esse tipo de abordagem vem juntando registos de outras áreas, indo do jazz criativo à música electroacústica experimental, esta fundada pelo violetista português Ernesto Rodrigues não poderia deixar de promover um cartaz que reflectisse tal diversidade.
No palco do O’culto da Ajuda, em Lisboa, passaram projectos que pouco têm que ver com a estética “near silence” promovida pelo músico, numa mobilização de tendências que envolveu tanto o Red Trio e o novo quarteto de Sei Miguel como figuras do Norte (a Free Jazz Company de Paulo Alexandre Jorge) e do Oeste (o Palimpsest Trio de Paulo Chagas, completado pelos italianos Silvia Corda e Adriano Orrú, ou a dupla constituída por Karoline Leblanc e Paulo Ferreira Lopes, “habitués” do MIA – Encontro de Música Improvisada de Atouguia da Baleia), além de formações colocadas em CD pela Creative, como o Zwann Ei Collective e Abdul Moimême a solo, convidados especiais de outros países, com destaque para Etiénne Brunet, formações nacionais limítrofes, a exemplo dos Psico-Free & Manicômio, e improvisadores com outros percursos na cena nacional, como André Hencleeday, dos Crua, ou Helena Espvall, frequente colaboradora de David Maranha.
Detemo-nos sobre quatro das apresentações realizadas. A que envolveu José Bruno Parrinha em clarinetes soprano e baixo, Manuel Guimarães ao piano e Ulrich Mitzlaff no violoncelo parece ter dado o mote para grande parte do que se ouviu para os lados de Belém, com a sua improvisação camerística, muito contemplativa, em recuperação do fraseado mais convencional e da tonalidade, suave na expressão e optando por um volume que, sendo reduzido, nem por isso alinhou com as premissas da tendência teorizada por Radu Malfatti. Todos eles com intervenções em discos da Creative Sources, que não com o formato deste trio, o que tocaram ganhou a forma de uma viagem, leve nos voos empreendidos, mas de pronunciado efeito introspectivo, convidando o público a fechar os olhos e deixar-se ir.
A violinista Maria do Mar e a vocalista Maria Radich estenderam a colaboração que vêm mantendo há alguns anos a um clarinetista brasileiro radicado em Barcelona que já se tornou um nosso visitante regular, Luiz Rocha. Talvez devido à diferença de configuração musical trazida por este, Radich saiu a espaços do âmbito da glossolália e do “speaking in tongues” que têm já a sua imagem de marca para entrar num canto sustenido e harmónico que deriva das suas práticas na pop e no rock (é membro das bandas Abztraqt Sir Q e Ovo) e que, neste contexto, resultaram em cheio, trazendo novas dimensões à narrativa criada e equilibrando-se da melhor maneira com os argumentativos violino e clarinete baixo. Um dos protagonistas maiores da cena francesa do jazz, com um currículo feito de parcerias com nomes como Fred Van Hove, Jac Berrocal, Anthony Coleman, Jean-François Pauvros e Sunny Murray, o saxofonista Etiénne Brunet teve um par de intervenções em duo, uma com Monsieur Trinité e outra com Miguel Mira. Nesta esteve particularmente próximo do que lhe é habitual, com um discurso jazzístico assumidamente “old school”, algures no cruzamento das linhas de influência de um Jimmy Lyons (no alto) e de um Steve Lacy (no soprano), num discurso acentuadamente melódico. Algo breve foi o concerto com o violoncelista português, este sempre muito eficaz na construção de envolvências e respostas ao trabalho dos saxes. Ficou evidente que Brunet queria continuar, mas Mira deu por finda a actuação poisando o instrumento e levantando-se quando sentiu que estava realizado um “statement” e que qualquer acrescento seria redundante.
O String Theory foi um dos grandes ensembles constantes na programação, entre o Suspensão e a Variable Geometry Orchestra, com a particularidade de integrar apenas cordas – se bem que com um piano incluído, nas mãos de Rodrigo Pinheiro, que surpreendentemente se deteve mais no teclado do que no interior do dito. Com quatro violoncelos (Guilherme Rodrigues, Yu Lin Humm e os já mencionados Mitzlaff e Espvall), quatro contrabaixos (João Madeira, Gianna de Toni, Hernâni Faustino e Marc Ramírez), dois violinos (Maria do Mar, Filipe Murat), a solitária viola de Ernesto Rodrigues, duas guitarras acústicas (no colo a de Miguel Almeida, deitada e sujeita a preparações a de Moimême) e um saltério (Hencleeday), ficou demonstrado como uma improvisação pode ser dirigida dentro da própria música em vez de sobre ela, a partir de fora. Rodrigues introduzia as situações, olhava em volta para verificar se os restantes as tinham empreendido e todos o seguiam.
O interessante foi observar de que modo, com uns a fazerem-no literalmente e outros a contribuírem com materiais complementares ou contrastantes, colocando algumas questões sobre o que é improvisar colectivamente e quais são os limites da igualdade de papéis e da liberdade de movimentos num contexto como este. Seja qual for a qualidade dos resultados, e esta existiu em vários momentos, uma performance musical vale a pena quando nos convida a pensar. Essa tem sido uma função do Creative Sources Fest e bom seria que, numa próxima edição do festival, houvesse espaço para a reflexão e o debate. Rui Eduardo Paes (Jazz.pt)

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